Um estudo realizado no Brasil mostra como a lacuna de gênero em empresas de consultoria de gestão afeta as posições de liderança em estratégia.
Por David Kallás, Carlos Caldeira, Fabiana Cherubim Bortoleto, e Regina Madalozzo
A discussão sobre a participação “justa” de profissionais do sexo feminino na força de trabalho tem sido um tema quente na literatura e na prática de negócios. Várias grandes empresas, como Santander, Uber, PWC e McKinsey, dentre outros, estão implementando políticas para combater a desigualdade de gênero. A questão, entretanto, parece ir além da representação.
A tabela a seguir mostra algumas das barreiras que as mulheres enfrentam em sua progressão na carreira, com base em uma visão geral da literatura.
Tabela 1. Barreiras que as mulheres enfrentam em sua progressão na carreira
Barreiras | ESCLARECIMENTOS |
Representatividade | Em vários setores, as mulheres estão sub-representadas. Em geral, as mulheres estão mais bem representadas em setores de baixa remuneração. |
Diferença salarial | Quando medido pelo tempo no trabalho, habilidade e outras considerações, as mulheres ganham de 5% a 7% menos do que os homens. |
Teto de vidro | As mulheres estão especialmente sub-representadas nos escalões superiores das organizações, desde corporações à administração pública e política. |
Elevador de vidro | Os homens tendem a ter uma progressão na carreira mais rápida do que as mulheres. |
O labirinto (trajetória) | Para lidar com as dificuldades acima, as mulheres tendem a ter carreiras menos “diretas” do que os homens, buscando caminhos inusitados para superar obstáculos. Isso geralmente se traduz carreiras em RH ou Marketing para mulheres que são capazes de ascender aos escalões superiores. |
O dilema das habilidades e do estilo | As gerentes femininas enfrentam a luta constante entre seguir seu próprio estilo de gestão e emular o “estilo masculino”. |
Nossa equipe realizou pesquisas com o objetivo de compreender a prática da estratégia no Brasil. Conseguimos reunir 80 participantes de nível executivo de organizações com receita anual superior a 1 bilhão de reais (aproximadamente US $ 250.000) em diferentes setores. Não observamos todos os fenômenos citados acima, mas confirmamos alguns deles em nossa amostra.
Nossa pesquisa se concentrou principalmente nas trajetórias de carreira, habilidades e funções dos executivos de estratégia de empresas que operam no país. Mesmo que o gênero não fizesse parte do nosso foco inicial, inevitavelmente encontramos a dimensão do gênero como um fator importante nas respostas que recebemos. As respostas das executivas divergiam com as de seus colegas homens.
Em primeiro lugar, embora o tempo em cada posição de carreira seja igual para mulheres e homens (2,25 anos vs 2,46 anos), o número de promoções dentro é diferente: os homens são promovidos 3,59 vezes e as mulheres 2,25. Essa diferença pode ser explicada por fatores como idade, gravidez, casamento ou pode ser um problema em nossa amostra.
O estudo revela uma lacuna clara na representação de gênero. Enquanto o número de mulheres em cargos gerenciais é estimado em 39,9% dos gestores no Brasil (Organização Internacional do Trabalho e Banco Mundial), nossa amostra teve menos de 15% de respondentes do sexo feminino.
A trajetória de carreira parece ser um fator importante para explicar a baixa representação feminina. Em primeiro lugar, o ponto de partida mais importante para os executivos de nossa amostra foi a consultoria de gerenciamento. Enquanto 36% dos nossos entrevistados do sexo masculino já trabalharam para uma empresa de consultoria, apenas 9% das executivas o fizeram (Accenture, Booz Allen, Strategy & e Mckinsey foram os empregadores de consultoria mais populares). Isso é consistente com a representação de mulheres em consultoria. A cultura do “clube dos meninos” em consultoria parece ser um mecanismo-chave, uma das principais mudanças culturais que empresas profissionais como a PWC e a McKinsey estão tentando estabelecer.
Também havia uma diferença nas habilidades que homens e mulheres percebiam como as mais importantes para o desempenho de seus trabalhos. Apresentamos a todos os participantes uma lista de competências para o cargo de CSO (chief strategy officer), conforme proposto em um estudo clássico de Breene, Nunes e Shill (2007). Em seguida, pedimos que classificassem essas habilidades da mais importante para a menos importante.
Tabela 2. Habilidades e qualidades preferidas de mulheres e homens em cargos de CSO, conforme ordenado pelos entrevistados
HABILIDADES | DESCRIÇÃO | MULHERES | HOMENS |
Objetivo | Dada a sua ampla competência, CSOs devem ser vistas como objetivos. Um CSO abertamente partidário, ou aquele que permite que as emoções ou a força da personalidade dos outros turvem sua visão, certamente falhará. | #1 | #7 |
Influenciadores, não ditadores | Chefes de estratégia geralmente não alcançam seus objetivos mostrando títulos. Eles influenciam os outros com seu profundo conhecimento do setor, suas conexões em toda a organização e sua capacidade de se comunicar com eficácia em todos os níveis da empresa | #2 | #1 |
Realizadores | CSOs dividem seu tempo quase igualmente entre o desenvolvimento e a execução da estratégia, mas seu viés é para o último. Os CEOs estão procurando um líder que possa ajudar a implementá-lo, não apenas refiná-lo | #3 | #6 |
Confortável com a ambigüidade | A função tende a evoluir rapidamente, conforme as circunstâncias ditam, exigindo uma habilidade extraordinária para abraçar um futuro incerto. | #4 | #3 |
Carta para qualquer jogo | Têm experiência significativa em gestão de linha e funcional em áreas distintas, incluindo gestão de tecnologia, marketing e operações | #5 | #5 |
Guardião do horizonte 2 | As equipes seniores geralmente têm um bom controle sobre as questões de curto e longo prazo. O médio prazo, aquele período de um a quatro anos, pode cair por terra, entretanto CSOs devem ser capazes de redirecionar a atenção da organização para o horizonte dois, o período crítico para a execução da estratégia | #6 | #4 |
A confiança do CEO | CSOs geralmente recebem carta branca para enfrentar os desafios de toda a empresa e aproveitar novas oportunidades de negócios; portanto, deve haver um forte vínculo de confiança entre o chefe de estratégia e o CEO. Uma longa história profissional e pessoal entre eles não é absolutamente necessária – mas ajuda. | #7 | #2 |
Mestres em multitarefa | CSOs são responsáveis por mais de dez funções e atividades de negócios importantes, tão diversas e exigentes quanto fusões (M&A), análise competitiva e pesquisa de mercado e planejamento de longo prazo CSOs, portanto, devem ser capazes de alternar entre ambientes e atividades sem perder velocidade. | #8 | #8 |
Jogadores de destaque | Eles alcançaram resultados comerciais impressionantes no início de suas carreiras. Eles vêem o papel da estratégia como uma plataforma de lançamento, não uma plataforma de pouso | #9 | #9 |
As diferenças de preferência entre homens e mulheres eram “ilustrativas”. Ser objetivo é o primeiro para as mulheres e o sétimo para os homens. Os dados parecem corroborar o dilema do estilo de gestão visto na Tabela 1. Enquanto um homem pode seguir seu próprio estilo de gestão, “masculino”, a mulher é frequentemente assombrada pelo estereótipo: “Ela pode ser uma gerente eficiente e continuar a ter um estilo ‘feminino’?” As mulheres deram pouco valor à qualidade de serem profundamente confiadas pelo CEO, enquanto os homens a classificaram em segundo lugar. Talvez a “cultura do clube de meninos” da consultoria tenha sido transportada para a prática de estratégia.
Em resumo, as questões de representação, trajetória e habilidades / estilo das mulheres parecem ter sido replicadas na prática de gerenciamento de estratégia. Pior ainda, as questões de diversidade de gênero em consultoria de gestão parecem ter sido traduzidas de alguma forma em estratégia. Está longe de ser uma boa notícia. As consultorias de gestão ainda estão nos primeiros passos de representação de gênero. Se a consultoria continua a ser o caminho principal para se tornar um profissional de estratégia, pode levar ainda mais tempo para que a mudança de representação de gênero tenha efeito em outros setores.
Notas:
- A pesquisa relatada foi realizada no INSPER, Center for Business Studies, e apoiada pela Brightline Initiative.
- Artigo publicado originalmente na LSE Business Review, em 09 de março de 2020
David Kallás é professor e Diretor do Centro de Estudos Empresariais do INSPER, São Paulo, Brasil. É professor da Faculdade de Medicina da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein. David é autor de quatro livros e artigo sobre gestão estratégica publicados em veículos nacionais e internacionais. É sócio da KC&D Consulting no Brasil e vice-presidente da ANEFAC, Associação Brasileira de Executivos de Negócios, contabilidade e finanças. É doutor em estratégia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo.
Carlos Caldeira é sócio da KCD Consulting e professor meio-período do INSPER. Carlos tem um M.B.A. pela New York University e um PhD em estratégia pela Fundação Getúlio Vargas do Brasil (EAESP / FGV). Ele tem ampla experiência em consultoria, tendo trabalhado na Ipsos, Booz-Allen, outras empresas de consultoria. Ele também tem experiências profissionais anteriores na Ford, ABN Amro e Citibank. Sua pesquisa se concentra em estratégia, estratégias políticas e experiência do cliente. Publicou artigos em revistas especializadas e foi co-autor de dois capítulos sobre execução de estratégia no livro Administração Estratégica (2019).
Fabiana Cherubim Bortoleto é pesquisadora-especialista no INSPER, e doutoranda em administração de empresas pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA / USP). Seus principais interesses são governança corporativa, responsabilidade social, gerenciamento de resultados, estratégia e cooperativas.
Regina Madalozzo é professora associada do INSPER, onde tem escrito extensivamente sobre economia do trabalho (diferenças salariais e remuneração) e economia doméstica. Sua pesquisa atual está focada no avanço das mulheres no trabalho, que também é um tópico de suas palestras corporativas. Regina coordena o Grupo de Trabalho de Estudos de Gênero do Núcleo de Estudos Empresariais do INSPER. Ela tem um Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois em Urbana-Champaign em 2002.
Tradução: Gustavo Andrade
Texto Original: Blocked pipeline: the career trajectory of women in strategy leadership
Author: Brazil Chapter
Project Management Institute Distrito Federal Chapter